A extinção do pop farofa (e o que ela significa para a história da música)
- Samu Saint
- 29 de out. de 2016
- 3 min de leitura

Há dez anos os tempos eram outros.
No cenário da música pop, de uma forma positiva. Era o que poderíamos chamar de "anos dourados": Tinhamos algumas das grandes divas pop de hoje ainda em ascensão se digladiando pelos holofotes, entre elas, Beyoncé, Rihanna, Gwen Stefani, Fergie e Nelly Furtado. Tinhamos ainda o concorrido hip-hop romantizado de Chris Brown, Ne-Yo, Akon, R. Kelly e Usher, a colorida transformação pop-rock de Avril Lavigne, o country acessível de Taylor Swift, a supremacia do dance de Justin Timberlake(em seu auge!) e a consagração do neo-soul de Amy Winehouse.
Como se não bastasse, choviam ainda álbuns de apelo popular, hits radiofônicos com inteligentes letras metafóricas, ampliados por inspirados videoclipes. Os artistas pareciam não medir esforços para conseguir deixar sua marca e por isso procuravam a cada álbum se reinventar ou pelo menos, evoluir. Não havia do que reclamar.
Mas de repente tudo começou a mudar. De forma sútil e furtiva, o universo da música pop trocou as batidas melancólicas ou sensuais do hip-hop e do R&B pela pegada alucinante de genêros como EDM, techno e drum and bass. Ninguém se lembra exatamente como ou onde começou mas arrisco dizer que foi por volta de 2009, quando ouvimos a nostalógica intro dance-pop seguida pelos vocais carregados de auto-tune em "I got a Feeling", do na época ainda icônico e convicto quarteto de hip-hop, Black Eyed Peas.
Havia algo de bastante transgressor naquela canção: Uma espécie de frenesi revoltado de uma geração cansada dos padrões vigentes, com arranjos apocalípticos e peculiares até então, carregados de batidas ousadas que se entrosavam perfeitamente com a letra otimista, quase conversada entre os integrantes. A canção ganhou intensidade com um videoclipe intrépido, festivo e futurista que espantou os fãs mais antigos do grupo pela mudança brusca de estilo, mas cativou as massas ao ponto que alguns meses estaria sendo surpreendentemente entoada na mais famosa igreja cristã pentecostal da Austrália, a Hillsong Church. Depois de quatorze semana no topo da parada da Billboard e platinada em diversos países ao redor do mundo, o single consagrava-se como o maior hit da carreira do grupo e o inicio do movimento estava lançado.
Simultaneamente, enquanto Miley Cyrus começava a arquitetar sua chocante metamorfose com "Party in the U.S.A" e Britney Spears aderia discretamente a mesma vibe electropop em seu subestimado "Circus", artistas banhados no europop como Lady Gaga, Katy Perry, Pitbull, Ke$ha e Taio Cruz começavam a pipocar. Do mundo especifico do EDM, David Guetta emergia de forma meteórica, para a revolta de seus colegas DJs e satisfação dos baladeiros de plantão, já familiarizados com a nova onda "bate-estaca", que ganhava cada vez mais força. Mais segmentados, Maroon 5, Nicki Minaj e B.O.B. começavam a ganhar destaque quando então surge a febre adolescente que faltava para substituir o crescido e encrencado Chris Breeze: Estreando com as letras ingênuas e a enjoativa voz teen-pop de "My World", estava instalado mundialmente o fenomêno Justin Bieber.
Mas este cenário já confuso começaria ficar ainda mais escrachada com as letras estúpidas e batidas hipnotizantes do duo americano de electro hop, LMFAO. Hipocrisias a parte, quem nunca requebrou ao som do "Party Anthem" ou se deixou cativar pelo passinho de dança proposto no clipe que atire o primeiro disco. Se por um lado nós tínhamos Adele, Lana Del Rey e Bruno Mars surgindo para reacender as baladas melodramáticas, do outro tínhamos Jennifer Lopez e Taylor Swift começando a perder identidade.
Já imersos na superficialidade nas fórmulas de sucesso estabelecidas pelas paradas, eis que surge novos candidatos a Djs populares como Calvin Harris, Zedd e Avici (ainda alheios a onda dubstep que consagrariam Skrillex) e as sempre solicitas boybands cheias de rostos bonitos reunidos pelo acaso, como One Direction e The Wanted. Pronto, teoricamente o mundo da pop farofa já deveria estar saturado, sem espaço para novas aventuras descompromissadas que fizesse o ouvinte de rádio de sentir ofendido e trocar de estação, mas não: O mundo ainda precisava conhecer Psy com seu estilo Gangnam de cavalgar.
É há essa altura que o jogo começa a virar. Nomes até então não muito comentados e minimamente ameaçadores como Lorde, Sia e Tove Lo começaram a surgir sorrateiramente nos charts. Personalidades misteriosas, batidas futuristas tendendo ao indie electro, conceitos inteligentes, vocais graves e crus: Esta parecia ser a receita da salvação do pop.
Continua...
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